1º Dj do Brasil, O tempo do seu Osvaldo não é o do iPod, do laptop com conexão sem fio, da música eletrônica, da Britney Spears grávida e sem calcinha, da "alta definição". O tempo do seu Osvaldo é o da "alta fidelidade", da Leila Diniz grávida e de biquíni, do foxtrote, da máquina de escrever, do radinho à pilha. Em 1958, a vitrola de seu Osvaldo movimentava passos de dança em São Paulo. Há cinco décadas, seu Osvaldo se transformava no primeiro DJ do Brasil. Hoje com mais de 76 anos, Osvaldo Pereira voltou a pilotar um toca-discos em um baile, no dia 25 de janeiro 2010, em evento gratuito no Sesc Ipiranga em comemoração do aniversário da capital paulista."O DJ deve ter sensibilidade para saber o que o pessoal quer dançar", conta ensinamento que não anda muito respeitado por aí ... Se a popularização da dance music faz com que figurões ganhem o equivalente a um carro 0 km por parcas duas horas de labuta, a situação vivida por seu Osvaldo era bem diferente. "Ih, não dava muito dinheiro. Era apenas um extra que eu complementava com o salário de outros trabalhos." No currículo, constam 12 anos na Philco, na fabricação de televisores, período que desembocou na aposentadoria, em 1980. Mas o pioneirismo de seu Osvaldo já estava cristalizado e consolidado há tempos e foi recuperado pelo livro "Todo DJ Já Sambou" (ed. Conrad; esgotado), de Claudia Assef. "Foi ele quem começou toda essa história. Ele fazia as pessoas felizes e assim tornou-se uma referência nos anos 60", conta o experiente Tony Hits, que há 35 de seus 53 anos é DJ de samba-rock em São Paulo.
A figura do DJ como alguém que utiliza toca-discos para embalar festas ganhou
vida com Jimmy Saville, na Inglaterra, em 1947. Nos EUA, a idéia só tomou forma
na década de 50. No Brasil, até 1958 os bailes eram animados ou por orquestras
e grandes bandas ou amigos dos donos de salão, que se revezavam para colocar os
discos que queriam ouvir, sem critério, ordem ou constância. Seu Osvaldo
freqüentava esses bailes, mas "não me interessava em dançar. Eu queria
mesmo era ajudar a escolher as músicas que iriam tocar" Aos 22 anos, em
1954, após completar um curso por correspondência de rádio e TV promovido pela
National School, dos EUA, seu Osvaldo ganhou um emprego na Elétro Fluorescentes
Arpaco Ltda., loja de equipamentos eletrônicos no nº 209 da r. Guaianazes, na
esquina com a r. Vitória, em São Paulo. O dono do estabelecimento, um armênio
simpático que falava cinco línguas e atendia por Sharom, foi com a cara do
tímido Osvaldo e delegou-lhe uma importante tarefa: "Ele queria que
montássemos amplificadores de alta fidelidade, que estavam chegando ao
mercado"A abastada clientela de Sharom voltava das viagens ao exterior com
equipamentos de última geração e levava à loja para que Osvaldo montasse e
construísse caixas de som adequadas. "Nós aproveitávamos para tirar cópias
do diagrama [a estrutura do equipamento e suas peças]. Aí fazíamos nós mesmos
aparelhos iguais e vendíamos na loja." Apaixonado por música, seu Osvaldo
aproveitou o conhecimento adquirido na loja para construir seu próprio equipamento
de som: um toca-discos movido a válvula.
Com o potente aparelho, em meados de 1958 ele foi convidado a colaborar com o
som de casamentos e de aniversários na região da Vila Guilherme (zona norte de
SP). Ali passou a ficar como "efetivo" no manuseio das bolachas. Era
ele quem comandava as músicas do início ao fim das festas. No ano seguinte, foi
chamado para tocar em um "piquenique" em Itapevi (Grande SP) --entre
aspas porque esse piquenique não envolvia cesto de comida, toalha na grama e
clima romântico. "Piquenique era uma espécie de rave da época."A fama
de seu Osvaldo crescia no circuito "clubber" da São Paulo do final
dos anos 50. Ganhou o cargo de DJ oficial do Club 220, que rolava nas tardes de
domingo no 17º andar do edifício Martinelli, centro de SP. Batizou suas
performances de Orquestra Invisível Let's Dance --depois alterada para High
Fidelity Let's Dance. O passo seguinte foi uma residência aos sábados à noite
no salão Ambassador (hoje Green Express), na av. Rio Branco. "As festas
ficavam cheias, e foi aí que perceberam que se podia ganhar dinheiro fazendo
bailes à noite, sem orquestra."
O custo para montar uma noite com orquestra era muito mais caro do que com o
som mecânico do seu Osvaldo, que levava o próprio equipamento ao local do baile
com a ajuda de um táxi e de três auxiliares. Muitos clubes da cidade passaram a
promover festas que varavam a madrugada: Devaneio, Ás de Ouro (na Casa Verde),
Pérola Negra (Imirim). "O número de festas aumentou muito. Eu chegava a
ter a agenda lotada por três meses", lembra, saudoso, dos tempos em que o
DJ tinha que se apresentar vestindo terno e gravata. Com apenas um toca-discos,
era inevitável um intervalo entre as músicas, interrompendo a dança. Seu
Osvaldo então construiu um mixer para "colar" uma canção na outra,
sem paradas. Mas a recepção não foi a esperada. "O pessoal não gostou da
música ininterrupta. Os rapazes queriam que tivesse intervalo, para poder
trocar de damas." O mixer nunca mais foi usado por seu Osvaldo.
Foxtrote, samba-canção, chachachá, rumba, algum bolero. Da vitrola de seu
Osvaldo, saía quase tudo. Apenas tango não entrava de jeito nenhum.
"Tocava tango apenas nos casamentos do bairro. Nas festas na cidade,
nunca." Frank Sinatra, Ray Charles, Glenn Miller, Benny
Goodman e Ted Heath eram alguns dos hits do DJ. "Mas o que causava frisson era Ray
Conniff", diz. A carreira de DJ de seu Osvaldo durou dez anos. Em 1968,
deixou os toca-discos em casa para o trabalho na Philco e o sustento da mulher
e dos cinco filhos (depois, casou-se novamente e teve dois rebentos após 1968,
ele voltou a discotecar por duas vezes. No lançamento do livro "Todo DJ Já
Sambou", em 2003, e em uma noite no extinto clube Soul Sister, no Itaim
Bibi, em 2005. Mas as lembranças de seu Osvaldo ainda permanecem fresquinhas.
"Era comum os rapazes pedirem para eu 'reprisar' alguma música, porque
eles queriam tentar conquistar uma mulher. Até me traziam uma cuba libre para
agradecer."