Carismática, alto-astral, com a energia lá em cima e uma
vibe única. É essa a lembrança que devemos levar da primeira disc-jockey do
país. Sonia Abreu, que abriu tantas portas e pavimentou o caminho para que
outras também pudessem brilhar, faleceu hoje em São Paulo, deixando um legado
inestimável na vida musical nacional. Ela sofria de esclerose lateral
amiotrófica e não resistiu a uma violenta pneumonia nos últimos dias.
A história de Sonia acompanha o desenvolvimento cultural
paulistano. Agitadora e criadora de ações contraculturais – como sua rádio
ambulante que girava em São Paulo tocando músicas e debatendo assuntos como
espiritualidade, vegetarianismo, LSD e dieta macrobiótica – se entregou à
música aos 13 anos, quando fazia covers de hits internacionais na banda
Happiness, em 1964. Três anos depois teve sua primeira experiência em uma
cabine, na festa do empresário e político Antônio Ermírio de Moraes – ali
nascia seu amor pelas cabines de DJ. Aos 17 ela já conduzia a programação da
Excelsior (atual CBN), montando uma das primeiras rádios jovens do Brasil e por
lá ficou por uma década, também lançando a coleção de discos icônica “A Máquina
do Som”, pela Som Livre.
Imaginem que ela foi uma das primeiras pessoas a colocar
para tocar em uma rádio nacional o clássico dos clássicos “Bohemian Rhapsody”,
do Queen, ao que ela afirma ter levado um pito por ser muito longa. Não podia
tocar. O mundo das voltas, não é mesmo? Ousada e mulher de visão, ela fazia o
que sentia e o que impulsionava a cultura brasileira para frente. Coragem dos
pioneiros.
Sua atuação em rádios também abrangeu a Globo, USP,
Brasil 2000, 89 FM (Rádio Rock) e, como grande pesquisadora musical que sempre
foi, tocava tanto em clubs (na época as boates) undergrounds como nas agitações
da elite paulistana e na lendária Papagaio Disco Club. A história de Sonia
merece ser estudada por todos que pretendem saber mais sobre a cultura musical
brasileira, pois esteve envolvida com movimentos diversos, da Jovem Guarda ao
rock, à Tropicália e à dance music.
Sónia teve que sair de casa aos 18 anos para trabalhar
com música, já que ser músico naquela época era “coisa de vagabundo” e os pais
não aceitavam. Seu pai sonhava para ela a medicina, mas ela seguiu seu sonho e
viveu a vida que sempre quis. Morreu feliz e realizada e todos nós temos muito
a agradecer por toda sua coragem e o seu legado. Ultrapassou os preconceitos da
época, se impôs e abriu caminhos. Uma aula para todas as gerações.