Entrevista
Ricardo Guedes para Jornalista Cláudia Assef
Em 2002, fui
entrevistá-lo para o livro que estava escrevendo sobre a história dos DJs no
Brasil, Todo DJ Já Sambou, lançado no ano seguinte. Marcamos um encontro na
gravadora Mega, dos irmãos Gui e Tchorta Boratto.
Quase três horas de conversa
depois, saí da minha primeira entrevista com Guedes me sentindo culpada por
nunca tê-lo entrevistado antes. Com razão, ele se sentia injustiçado.
Reproduzo, a
seguir, alguns trechos da entrevista, que ajuda a entender a dimensão de
Ricardo Guedes no cenário da música eletrônica nacional:
Como você se tornou DJ?
Eu era
frequentador do Papagaio Disco Club, já tinha vencido um concurso de dança lá.
E era louco por LPs, comprava no Museu do Disco. Daí conheci o DJ das matinês,
que era o Tuta Aquino, que também tinha 16 anos. A gente acabou ficando amigo.
Ele era um playboyzaço, tinha equipamento em casa.
O pai dele tinha mandado
fazer um mixer para ele. Ele adaptou dois fones nesse mixer e me mostrou como
se fazia uma mixagem. Eu ouvi uma vez só e pronto, aprendi. Toda vez que ensino
para alguém, é uma vez só. Mixar é dez vezes mais fácil do que andar de
bicicleta. É como virar estrela, tem gente que consegue, tem gente que não.
Como era o status do DJ na
época?
Ser DJ era
subemprego. Uma vez o pai de uma namoradinha me perguntou o que eu fazia, e
respondi que era disc-jóquei. O velho pensou que eu fazia aposta no jóquei, que
era booker.
Quando ele finalmente entendeu, achou o fim da picada. A cultura
dos DJs foi absorvida primeiro pela periferia. Isso chegou aos Jardins há pouco
tempo.
Agora existe essa coisa de Vila Olímpia, tenho nojo dessa cena playboy.
A maior dor que eu tenho é que eles não se importam com os bons DJs, você só
toca num clube desses se for amigo dos promoters.
Como era tocar na
periferia?
Pô, lugares
como a Toco, com toda aquela infra, era o céu.
Era como estar num show, tinha
projeção de Super-8, o som era um absurdo, tinha grave, médio e agudo na pista.
O grave era no chão, teu peito tremia até!
A cabine do DJ ficava de frente para
a pista, lá no alto. Você tocava black music para 2 mil, 3 mil pessoas. Era
sonho.
Você foi um
dos primeiros DJs a mixar no rádio...
Passei por
várias emissoras, fui programador, fiz montagem, cheguei a ser coordenador da
Pool FM. Ficava p... porque, na época, o DJ não levava crédito pelas mixagens,
isso em rádios grandes, como a Jovem Pan. Tenho sérios problemas com a mídia.
De que mídia você está
falando?
De todas.
Hoje se fala sobre música de qualquer jeito, num minuto se constroem
queridinhos novos. Ficam falando bem de uns moleques que nem têm noção do que é
ser DJ.
Ninguém fala do meu vinil novo, que tá um tesão, porque eu não sou
celebrável. Até dizem: "Ah, ele é bom, experiente." Mas isso magoa.
Esses meninos chegaram à cena com tudo pronto, mastigadinho.
Vou falar uma
coisa que parece pretensiosa: eu não tenho problemas com a cena. Eu sou a
cena...
É verdade! Eu abri espaço para essas pessoas poderem entrar. Ia nas
gravadoras e ficava duas horas sentado para arrumar um disco. Hoje não é assim,
os divulgadores vão aos clubes, pedem pelo amor de Deus para tocar o disco
deles. Já fui tratado como um cachorro.
Desde que fiz
essa entrevista com Ricardo Guedes, passei a vê-lo com outros olhos.
Os mesmos
que se emocionaram com a triste notícia de sua morte precoce. R.I.P., DJ,
desculpe pela demora para colocá-lo num merecido espaço nobre de jornal. Mas
aqui está.